Uma rápida olhada pelas capas dos principais jornais do mundo já é o suficiente para perceber que a economia do mundo todo está um verdadeiro caos. O olho do furacão pode ter começado nos EUA, com a falência de uma das maiores seguradoras e forte crise em tradicionais bancos de investimentos, mas logo espalhou seus efeitos mundo a fora. Temendo uma forte crise e períodos de recessão, o mercado global se contraiu, causando quedas brutais nas principais bolsas do planeta.
No meio disso tudo acontecia a temporada de moda internacional. Antes mesmo do seu início, com a semana de moda de Nova York, jornalistas e editores já anunciavam que está não seria uma temporada muito criativa, com bons frutos. O motivo? A crise econômica somado à incerteza política devido as eleições presidenciais.
De fato, não foi uma estação memorável” diz a consultora da moda Costanza Pascolato. Com vendas bem baixas, não era hora de marca alguma se arriscar em experimentações estilísticas, muito menos de abusar do luxo.
O que se viu foram duas vertentes: uma que apostou no look recessão, mais sóbrio, em tons escuros e apagados – com muitos tons pasteis, beges, crus, e cinzas –, com bastante influência do guarda roupa masculino; e outra que optou por um dito otimismo, que se traduzia por roupas alegres, em cores vivas e fortes, forma mais soltas e fluídas e muitas vezes até um tema lúdico infantil.
Não é novidade alguma o fato de que a moda é um espelho da sociedade. E o que vimos nesta última temporada de desfiles internacionais foi a mais pura comprovação disso. A moda espelha aqui o que acontece na sociedade, como também mostra reflexos de seus desejos, no caso por tempos menos difíceis e mais alegres.
Nos tempos modernos o primeiro momento em que a moda foi refletir um estado de espírito gerado por uma economia instável foi durante a I Guerra Mundial. “No belicoso período de 1914 a 1918, a moda sofreu algumas mudanças, que na realidade, foram verdadeiros ajustes aos tempos”, explica o professor e historiador João Braga.
Essas mudanças se deram nas roupas em tons mais escuros, de tecidos mais baratos e principalmente na libertação completa dos espartilhos, no encurtamento das barras das saias para logo acima do tornozelo e nos saltos mais baixos. Tudo devido ao fato das mulheres se verem obrigadas a trabalhar, já que os homens haviam partido para a guerra.
Ainda segundo João, um segundo momento seria a queda da bolsa de Nova York em 1929, só que agora a moda respondeu com um certo otimismo, o que pode ser entendido como um desejo da sociedade. “Isso pois, os anos 30 foram marcados por um glamour intenso, roupas muito luxuosas, com muito brilho e decotes abusados nas costas”.
Na década seguinte com a II Guerra Mundial, o moda volta aos tons escuros, aos tecidos mais simples e passa a se influenciar cada vez mais no guarda-roupa masculino. “Foi nessa época que as primeiras calças femininas começaram a ter maior aceitação. Afinal elas eram muito mais práticas para o trabalho nas fábricas, que agora voltava a ser exercido pelas mulheres” explica ele.
O que difere os extremos desses três momentos do dia de hoje, como bem disse a professora e pesquisadora de história de moda Maria Claudia Bonadio – também autora do livro Moda e Sociedade – é que antes havia a guerra pautando não só a sociedade como a produção de moda. “Se naquela época as pessoas acabam usando materiais escuros e mais baratos, não era apenas por um sentimento da sociedade, mas sim pois havia um forte racionamento devido a escassez de matéria prima”, explica ela.
E de fato, nos períodos de guerra, quase todos os fundos e recursos da indústria têxtil eram voltados para os uniformes militares ou para seus aparatos. Hoje, a economia pode estar em crise, mas não há escassez. Logo, se o setor têxtil não for afetado, dificilmente veremos mudanças profundas na produção de vestuário.
O que acontece é que a moda opta por looks de tons mais fechados e apagados, por materiais aparentemente mais barato – porque no fundo continuam sendo da mais alta qualidade – talvez, como disse Maria Claudia Bonadio, “para ajudar a criar um clima de preocupação e recessão”. Ou ainda, para não reforçar aquela idéia de o mundo da moda é alienado do que acontece no mundo, e também para estar em sintonia com o espírito do tempo. Não seria nada adequado apresentar roupas ultra luxuosas se o mundo inteiro está a beira de uma das maiores crises financeiras.
De todo modo, são em momentos como esses, ou quando ocorreu os atentados de 11 de setembro no meio da Semana de NY ou nos ataques do PCC aqui bem durante o SPFW, que a moda (e os eventos de moda) faz alguns questionamentos morais (um tanto quanto raros) à seu respeito.
Justamente por isso, muito mais do que as cores neutras, as formas sóbrias e austeras é que mais do que nunca a moda para o verão 2009, vêm com uma imensa necessidade de realidade. Realidade de chegar ao consumidor final, de despertar desejo não só pela estética, mas também por conter alguma praticidade e funcionalidade.
Por isso que a Jil Sander empolgou tanto, enquanto a Prada desanimou. Porque as roupas apresentadas por Miuccia eram bem fortes enquanto imagens de moda. Mas é difícil imaginar elas fora das passarelas ou de editoriais de moda. É difícil encontrar ali essa realidade que nosso tempo pede.
Já Raf Simons, para Jil Sander, consegue o mesmo poder de imagem, com roupas extremamente práticas e funcionais para nossas necessidades contemporâneas.
Vale mais uma roupa com apelo para a vida real, para nosso cotidiano, do que apenas uma imagem forte que fica bem apenas nas passarelas e editoriais, ou então aquela coisa ultra luxuosa e elegante que se sai da passarela vai direto para um tapete vermelho e nada além.
Para vender hoje – e é isso a maior preocupação dos diretores executivos das principais marcas do planeta fashion – é preciso tirar as roupas do pedestal. É preciso mostrar uma moda pé no chão – o que não significa perder a elegância e sofisticação, afinal ainda criar desejo ainda é fundamental. Mas mais do que isso, é preciso uma moda real que esteja de acordo com nossa vida e nosso tempo.
by Luigi Torre, autor do blog aboutfashion.com.br